quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Hora do recreio

Se bem que se a gente pensa um pouquinho nessa brincadeira dá para refletir sobre muita coisa, né?








segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A minha cebeça - entrevista Mário Offenburger


O que me perturba é a minha cabeça que me faz doente, apaixonado, louco, dançarino, artista, apegado. O que me perturba é meu corpo que é tudo isso.

Mario é um amigo adorado. Nos conhecemos numa dessas loucuras de festa de carnaval, baile d'Os Mascarados. Bateu na hora e até hoje temos um carinho imenso um pelo outro. Nos adoramos pela nossa loucura.

Amo esta entrevista dele que organizou cenário, elementos cênicos, figurino e falou o que eu posso falar a qualquer momento.


domingo, 26 de setembro de 2010

Eu estou EUPHORICO

Estou desde o dia 22/09 em La Seyne sur mer/França para participar da sexta etapa do intercâmbio Euphorico, projeto entre o Grupo X de Improvisaçao em Dança e a Cia Artmacadam.

Este ano o projeto é o Euphorico: à page aberta, onde criaremos uma peça coreografica em oito dias, tendo como suporte um texto produzido coletivamente (português/francês) que sera postado aqui ainda esta semana.

O trabalho com o Euphorico tem me proporcionado, ao longo desses anos, um amadurecimento profissional e apresentado possibilidades de criaçoes infinitas, porque parte das experiências individuais e de cada um desses coletivos, o que se multiplica no encontro de cada um de nòs.

O grupo é formado por uma diversidade cultural muito grande com brasileiros, franceses, polonesa, italiana e também diversas formaçoes o que torna cada dia de ensaio, pesquisa, uma mina de idéias maravilhosas, cada um contribuindo a seu modo com a construçao do que ira ser apresentado. Realizaremos oficinas, cursos, faremos performances de rua e participaremos de um Congresso de Psicomotricidade no dia 07/10.

Estou muito contente com esta nova experiência do Euphorico e grato pelo apoio do Ministério da Cultura que nos proporcionou (eu e Fafa) a viagem atraves do Edital do Programa de Intercâmbio e Difusao Cultural 2010 e também ao apoio da UFBA através do PPGDANCA.

Bom, estou muito feliz também porque estou dançando novamente com meu amigo, maravilhoso, Clênio Magalhaes que veio de Minas Gerais participar dessa euforia conosco pela terceira vez.

Programaçao

01 e 02 de Outubro
apresentaçao da peça coreografica Euphorico: àa page aberta, 20h30min, Théâtre Apollinaire - La Seyne sur mer

06 de Outubro
Performance em espaços publicos em diversas cidades - Département Var

08 de Outubro
Oficina de sensibilizaçao, 10h as 17h, Centre de Formation Studio du Cours. Debate 18h

09 e 10 de Outubro
Poéetica da Diferença
oficina aberta ao publico com e sem deficiência, 10h e 17h, La Seyne sur mer

10 de Outubro
Apresentaçao do resultado da oficina Poética da Diferença

- Desculpem os erros, mas estou no teclado francês que falta alguns acentos do protuguês.

Aproveitarei esta temporada aqui no Sul da França para pensar em exercicios de construçao para O Corpo Perturbador e explorarei Clênio que me ajudara na construçao de uma cena para o espetaculo.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Efigênia Rolim, A Rainha - entrevista O Corpo Perturbador



Para mim foi o maior presente que recebi, na ocasião da última viagem ao Rio, ter conhecido Dona Efigênia Rolim. Já havia tomado conhecimento de seu trabalho através de uma amiga paulista, Bia, que me apresentou uma boneca toda feita de papel de bala, com material encontrado em lixo e me contou um pouco a história dessa mulher única e fundamental nos dias de hoje.

Estar com Dona Efigênia é algo transformador! Me emocionei demais nos poucos momentos que tive em sua companhia, mas que terão grande importância na minha vida.

Ela se define "Sou a contadora de histórias Efigênia Rolim, rainha do papel, artista, performance. Canto e danço e mostro as minhas loucuras.”

Na entrevista que ela me concedeu, tem momentos inspiradíssimos e de muita lucidez quanto a necessidade de cuidar deste mundo, de se pensar no homem e na gana pela grana. De um pedaço de papel, brilhando, encontrado por acaso na rua e pensando ser uma jóia, ela transformou o lixo em obras artísticas de uma força inacreditável.

Dona Efigênia faz aniversário hoje e é comemorando sua vida que publico sua entrevista.

Neste video abaixo ela canta uma música linda de sua autoria. Vale a pena vasculhar videos dessa mulher pelo youtube. Espero que vocês sejam tocados assim como eu.


domingo, 19 de setembro de 2010

O defunto e o amor - entrevistas O Corpo Perturbador

Conheci Wili e Adriana quando estive em Itacaré para trabalhar no Projeto do Ar. Foram dez dias muito ricos e a convivência com este pessoal foi uma das melhores coisas que aconteceram nesse projeto. Os dois são casados e tem um filhinho. Para Wili um corpo que o perturba é de defunto, já para Adriana é o corpo de seu amado. Um tem uma visão negativa sobre a perturbação, a outra tem é positiva e ambos afirmam não se perturbarem com nada na vida.

Para ilustrar, poeticamente, estas opiniões trouxe dois poetas: Mario Quintana e Florbela Espanca.



Reflexão para o dia de finados

(Mario Quintana)

Morrer, enfim, é realizar o sonho
que todas as crianças têm...
O motivo? Só elas sabem muito bem:
Fugir... fugir de casa!




Volúpia
(Florbela Espanca)

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...

sábado, 18 de setembro de 2010

Isso aqui pode não ser eu? - Resposta a Fernando Lopes

Fernando, querido,

recebi tua carta em Abril e somente agora tenho algo (sem muita importância) a responder. Isso aqui, também, pode não ser uma resposta e você pode nem querer mais saber disso.

No inicio de tua missiva (adoro esta palavra), você diz "Sou dançarino e a algum tempo tenho parado para refletir sobre o que é dança e o que não é e gostaria de compartilhar algumas dúvidas e crises que tenho sobre a dança com um alguém." Confesso que nunca tive muita crise com este assunto, nem pensava se o que eu fazia poderia não ser dança. Agora, depois de mais de dez anos de fazer artístico me pego refletindo sobre o meu fazer dança.

O projeto responsável pela construção deste blog, O Corpo Perturbador, é o primeiro que ganhei verba para uma montagem de espetáculo. Será que esta montagem não já estreou tendo em vista todo o burburinho, todas as contribuições, toda participação virtual/real do público aqui neste espaço da rede? Será que não já estou fazendo dança por aqui mesmo?
Lendo a tua correspondência não sei se me acalmo ou se fico mais em dúvidas.

"Você querido desconhecido algum dia já parou pra refletir sobre a possibilidade de que ler esta carta pode ser dança? Ou sobre a possibilidade de qualquer ato que você fez, deixou de fazer ou fará poder ser dança e você ser um dançarino no mundo?"

Eu acredito piamente que tudo que faço na vida pode ser dança. Me coloco no mundo de maneira bastante política e utilizo meu corpo com este propósito. Quero lembrar que meu corpo é tudo que me representa e me significa: voz, pensamentos, braços, pernas, coluna, careca, ouvidos etc etc etc etc não apenas a casca de pele que me protege e o que fica aparente. Nisso concordo que estamos agindo/fazendo dança. Mas que dança é essa? É o que mesmo isso tudo que estamos discutindo?

Quem valida o trabalho como dança? E mais uma vez pergunto: que dança? A quem se destina?

Acabei de sair do Encontro de Dança Inclusiva. O que é isso? e lá alguns teimaram em categorizar essa dança que usa corpos com deficiência. Quase falo corpos semelhantes ao meu, mas logo percebi que seria mentira, pois a deficiência tem corpos muito diversos e nem sempre parecidos com o meu, podem até ser mais semelhantes ao teu, a outros lá da Escola de Dança, aos corpos da Dança Contemporânea contorcidos e estranhos.

Ando bastante apreensivo com O Corpo Perturbador, com a quantidade de referências e informações que estão me chegando, com a necessidade de começar a fechar a torneira, sem querer  fechá-la, porque tudo é tão interessante e me parece tão impirtante. Os videos, as entrevistas, os contos, os pensamentos diversos, os sentimentos. O fazer escolha é o que mais me perturba (para ficar no contexto do blog), porque tenho certeza que deixarei coisas muito improtantes de fora. Essa escolha já é dança?

Está vendo, não respondi nada. Isso aqui, com certeza, não foi uma resposta,mas acordei pensando em você e na tua questão. Escrevi tentando falar comigo mesmo, refletindo sobre esse processo alucinado que é pensar/fazer esta dança. Você provocou a minha primeira confissão de perturbação. Coisa que procurei evitar esse tempo todo, porque acho que não preciso "palavrear" minhas perturbações, tudo que está aqui pertence a este universo interno inquieto e perturbado que sou eu. O que publiquei/escolhi dos outros pode não ser eu?

- Para os interessados, o blog do trabalho de Fernando é http://issopodenaoserdanca.blogspot.com/

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Relato de um encontro real com um devotee

Estou retomando as publicações no blog depois de um tempinho ocupado com a viagem ao Rio de Janeiro para participar do Encontro da Diversidade Cultural Brasileira, promovido pelo MINC e com a organização do 1º Encontro de Dança Inclusiva. O que é isso? que está em fase de pós-produção.

Ontem aproveitei para comemorar o aniversário de Dona Canô e hoje retomo a temática principal da pesquisa que é a sexualidade do corpo com deficiência a partir do devoteísmo. Ontem tive uma reunião com a equipe do projeto, definimos algumas coisas, pensamos juntos soluções para coisas que ainda não estavam muito esclarecidas. O Corpo Perturbador é um projeto que tem tido uma boa repercussão e despertado o interesse em muitas pessoas. No final da tarde, encontrei com Paula Karysa, uma amiga, psicanalista que participará de um dos Papos Perturbadores e conversamos muito sobre o devoteísmo e sobre seu interesse em pesquisar o tema. Adoro quando uma idéia vai se desdobrando, atingindo outras pessoas, se transformando e sendo ampliada.

No Rio, tive a oportunidade de estar com Ninfa Cunha, dançarina, minha amiga, atuante nas questões da acessibilidade da pessoa com deficiência e me relatou seu encontro com um devotee. Fiquei felicíssimo com a disponibilidade de Ninfa, sua coragem e a forma verdadeira como ela nos confidenciou esse encontro.

Acho importantíssima essa publicação porque expomos uma situação verídica, ocorrida entre uma pessoa com deficiência e um devotee e daí podemos pensar e tirar algumas conclusões, sem querer com isso determinar verdades absolutas ou generalizar, lembrando que o desejo corresponde de forma diferente a cada um e que este é simplesmente um caso dentro de um universo muito rico e amplo.



Neste video abaixo Ninfa fala sobre seu corpo como um corpo social, político, artístico e contribui mais ainda com nossa pesquisa falando sobre suas perturbações e as questões de acessibilidade.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Dona Canô, uma festa - entrevista O Corpo Perturbador



Esta foi uma das entrevistas para o blog que eu fiquei mais nervoso. Dona Canô é uma pessoa muito especial e nossa família tem uma relação de amizade muito próxima e justamente por isso eu não queria parecer invasivo, mas ao mesmo tempo não poderia perder a oportunidade de saber o que poderia perturbar uma pessoa tão forte, com uma vida tão intensa e longa. Sabiamente ela responde de forma direta e simples sobre o seu corpo, sobre o outro e acaba nos dando uma lição de como viver bem. Não levar a vida a faca de ponta.

Completando 103 anos no dia 16/09, ela nos enche de vida e alegria. Parabéns a Dona Canô! Aqui publico sua entrevista como uma homenagem e um desejo de muita felicidade e saúde na sua vida que é uma imensa festa.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

5 minutos - microconto devotee (Fernando Lopes)

Lágrimas leitosas escorriam docemente por entre aquelas pequenas nádegas sobre o lençol. O corpo estava suado, mas seu olhar acordado. Um vento arrepiava seu corpo nu iluminado por uma fraca luz que vinha da rua.

- Pega uma manta pra mim – Pediu o pequeno homem quase como num sussuro.

Seu companheiro que estava deitado de olhos fechados ao seu lado, abre os olhos um tanto assustado, pois estava quase dormindo e compreende o pedido. Levanta-se nu e se estica para pegar a manta que estava numa prateleira alta do armário. Esticou-se bem, e o pequeno homem, preso a cama por sua condição física, contempla os volumes daquele corpo que o possuiu a poucos instantes. De como sua força era utilizada naquele corpo pequeno, mas nada frágil.

O amante retorna com a manta e deita-se sobre o peito do pequeno homem, aninhando-se junto a ele, abraçando aquele tronco sinuoso, e rapidamente dorme. O pequeno homem mantém-se acordado, bem acordado, ao demonstrar um volume desproporcionalmente grande comparado ao seu corpo sob a manta.

Fernando Lopes me presenteou com este microconto delicioso. Nando é uma das pessoas mais inteligentes e interessantes que eu conheço. Adoro visitar seu blog, adoro estar com ele e adoro quando ele ilumina os caminhos de Judite.

Blog de Fernando: http://insightsfromhell.blogspot.com/

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Par de Sapatilhas - microconto devotee (Bípede Falante)

Tu ignoras os meus contornos e os meus movimentos e não me eleges tua primeira bailarina e, mesmo assim, me descortinas com esse teu sopro de palco e tu ignoras a razão do meu suor e o confunde com cansaço e me pensas exaurida porque tremo e porque tarda a hora e eu, tonta e descompassada, não termino a coreografia porque o que me prende e transpira não é a dança nem a água, e, sim, a tua presença sobre esse par de rodas que giras feito um planeta em direção a um outro par de sapatilhas.

PS1-Bípede Falante é uma e-amiga herdada do Monólogos na Madrugada e me enviou este microconto devotee morrendo de medo, achando que eu não iria gostar. Não só adorei, como fiquei me imaginando nele. Intui que minha dança havia inspirado este texto e depois obtive a confirmação. Obrigado Bípede/Helena.
http://bipedefalante.blogspot.com/

PS2-O texto Julios, de Clênio Magalhães, eu nem comentei nada para não ficar chato repetir o tempo inteiro minha admiração por este amigo/artista que está tão presente neste trabalho aqui. O seu conto é fantástico!
Meu amor!!!!!
http://cleniomagalhaes.blogspot.com/

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Novidades guardadas

Estou cheio, cheinho, deliciosamente abarrotado de novidades guardadas, prontas para sairem da mala.

Dona Efigênia Rolin

Entrevistas maravilhosas com pessoas que encontrei no Encontro da Diversidade. Uma riqueza! Estou louco para publicar meu arecer sobre o evento, minhas sensações. Aguardem só um pouquinho, é que estou me vendo rodado com o 1º Encontro de Dança Inclusiva. O que é isso? que começa logo mais, as 09h, no Espaço Xisto Bahia, com a oficina da Cia Gira Dança/Natal e de audiodescrição com a Profº Eliana Franco/Tramad.

Estou tremendo como um graveto, mas confiante de que será uma experiência rica de trocas e saberes.

Evoé!!!!!!

Informações sobre a programação do Encontro: http://encontrodedancainclusiva.blogspot.com/

Fotos de apresentações, grupos e pessoas dos diversos segmentos convidados para o evento

sábado, 4 de setembro de 2010

Identidade e Diversidade

Fui convidado pela Secretaria da Identidade e da Diversidade do Ministério da Cultura para participar no período de 04 a 06 de setembro, do Encontro da Diversidade Cultural Brasileira, na Fundição Progresso, Rio de Janeiro.


O Encontro reunirá cerca de mil e quinhentos representantes dos segmentos que formam a diversidade cultural brasileira, como os povos indígenas, mestre e grupos da cultura popular, ciganos, representantes do movimento LGBT, pessoas com deficiência, idosos, movimento hip hop, MST, movimento de mulheres e pessoas com transtorno mental. Na ocasião será realizada a I Reunião da Diversidade do Mercosul Cultural, com a presença de representantes dos 10 países que formam o bloco.

Vou ali ao Rio de Janeiro e volto correndo para o 1º Encontro de Dança Inclusiva. O que é isso? que começa dia 08. Compareçam, divulguem, participem!!!!


Até logo!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

JULIOS (Clênio Magalhães)

De
Clênio Magalhães

Para
O CORPO PERTURBADOR
De
Edu O.
2010-08-29

Julia era uma menina, estudante, de dezesseis anos de idade. Sua pele negra como a braúna e rosto anguloso davam-lhe um ar de princesa de outro mundo. Ela vestia um vestido azul de chita surrada, com muitas flores e babados que lhe cobria todo o corpo. Apareciam as suas mãos, os braços, pequena parte dos ombros, o colo dos seios, pescoço, cabelos e rosto. Seus cabelos encaracolados pareciam artificiais e vivos. Suas muletas eram douradas, ela mesma as pintou com spray. Pareciam-lhes dois braceletes africanos. Julia só tinha a perna esquerda, era bi destra, campeã de dominó, usava unhas grandes e não se depilava.

Perdeu sua perna num acidente de carro quando voltava de uma festa bêbada com as amigas. Das cinco garotas foi a única sobrevivente. Seu pai, mecânico, sua mãe dona de casa e sua irmã bebê. Todos dividiam o espaço de uma casa de dois cômodos de chão batido no alto de um morro há trinta quilômetros do perímetro urbano da cidade.

Julia estava no aeroporto à espera de Julio, um rapaz de dezoito anos que ela conheceu pela internet. Eles já se conheciam há dois anos. Moravam há quinze mil quilômetros um do outro e só mantinham comunicação pela lanhouse pelo menos uma vez por semana.

Julio era um menino de dezoito anos de idade. Sua pele branca como um algodão e olhos acinzentados davam-lhe um ar de príncipe de outro mundo. Ele vestia um terno preto, com leve brilho, com camisa branca e gravata vermelha. Apareciam as suas mãos, o pescoço, cabelo e rosto. Seus cabelos lisos pareciam escorrer pela pele da nuca. Seu relógio e anéis dourados, de ouro e pedras. Parecia uma personagem colada na paisagem cotidiana. Julio era estéril, destro, campeão de bilhar, usava cuecas de algodão e não se depilava.

Perdeu sua fertilidade numa brincadeira à beira de um rio. Foi ferido por um galho de árvore que descia a correnteza. Seu pai pedrista e lapidário, sua mãe artesã e tinha mais três irmãos mais velhos. Todos dividiam o espaço de uma ilha de dois kilômetros de raio, entre montanhas há trinta quilômetros do perímetro urbano da cidade.

Julio desembarcava ao encontro de Julia, uma moça de dezesseis anos por quem ele estava perdidamente apaixonado. Eles decidiram ficar juntos há seis meses. Eles agora morariam no mesmo espaço e manteriam um relacionamento eternamente juntos.

Casaram-se.

Cinco anos depois Julia perdeu a luz e caiu em profundo pânico. Seu amor por Julio era muito grande e percebia como sua presença na vida dele o impedia de seguir todos os juízos demandados pela família. Sentia-se um peso na vida dele e pensou em se matar. Mas então pensou como seria penoso para ele viver com esta lembrança e então decidiu romper o casamento.

Julio não compreendia. Estava tudo pronto. Tudo que haviam planejado. Estava indo tudo bem para ele. Falava da família, mas falava de amor, de lembranças, de saudades. Ele já havia decidido passar por cima de tudo e de todos para ficar com Julia.

De nada adiantou suas justificativas. Julia estava presa ao preconceito de si mesma. E o expulsou de sua vida.

Julio foi se embora.

Julia trancou-se no quarto durante cinco anos e de lá só saía para suas obrigações. Tornou-se enfermeira. Era excelente em tudo que fazia dentro da sua fria rotina eficaz.

Até que um dia recebeu a notícia de que Julio o aguardava na recepção do hospital. Ela estava usando um vestido branco que lhe cobriam o joelho, tênis branco, coque, muletas prateadas do hospital. Ele vestia um terno de linho bege, sapato preto, panamá, e usava muletas esportivas. Estava de pé à espera de Julia com flores e chocolates.

Julia foi ao chão.

Julio teve sua perna esquerda amputada por uma lâmina do lapidário logo que se separaram. Seguiu a profissão do pai, mas não podiam envolver-se nos mesmos negócios. Até que um dia decidiu voltar e reencontrar Julia, pois agora ele saberia como cuidar dela, pois já havia aprendido a cuidar de si mesmo.

Tornaram-se servos de si mesmos.

Viveram juntos eternamente. Fizeram muitos amigos que lhe chamavam de “Casal de Julho”, pois além de xarás, ambos nasceram em Julho. Viveram uma vida feliz, tranqüila e abençoada.

Aos oitenta anos de Julia, deitados na cama antes de dormir, abraçados, segundos anteriores da partida ela disse:

- Ju! Ela o chamava assim.

- Diga minha princesa!

– Você acredita mesmo em Deus?

Ele deu um longo suspiro e disse sorrindo:

- Ele me enviou para buscá-la há sessenta e quatro anos atrás, mas você não quis ir, então eu tive que ficar. E para ficar teria que provar meu amor em sacrifício, e aguardar-te. Amputei-me no desejo de abrir mão do que me excluía de você...

A esta altura Julia já pegara no sono.