Microcontos Devotees

CASA DE MASSAGEM
Herculano Neto

Sou atendente de uma casa de massagem no Centro de Salvador há seis meses. Minha família acredita que trabalho como doméstica numa casa de família, mas na verdade ofereço serviços sexuais rápidos e baratos. Tudo é muito simples: os clientes tocam a campainha, encontram dez garotas trajando lingerie, escolhem a que desejam, depois pagam e vão embora, como se tivessem acabado de sair de uma lanchonete.

Hoje, observando pelo olho mágico, tive a impressão de que havia um homem com um bebê. Quando abri a porta, descobri que ele carregava o irmão de dezenove anos, que não possuía nem braços ou pernas. O homem disse que era aniversário do irmão e queriam comemorar. As meninas, assustadas, baixaram a cabeça com receio de serem contempladas; eu não – talvez por isso ele tenha me escolhido.

Dentro do quarto, tentei puxar conversa, descontrair o ambiente, mas ele não dizia nada. Então, tirei sua roupa cuidadosamente, segurei seu torso como se fosse uma boneca (ele era mais pesado do que aparentava) e o coloquei numa posição que eu imaginava ser a mais apropriada para o ato. Foi a primeira vez que gozei no trabalho.

CASA DE MASSAGEM II
Herculano Neto

Cheguei ao mundo sem os braços e as pernas. Se existe vidas passadas, e lei de causa e efeito, como dizia minha vó, fico imaginando que merda fiz em outra encarnação.

Todos os dias, meu irmão me deixa na Estação da Lapa pela manhã e me apanha depois do meio-dia. As pessoas que passam por mim, numa mórbida curiosidade, costumam deixar algum trocado, mas nunca peço nada. Muitas têm medo de mim, desviam o caminho, olham com asco, aceleram o passo: e isso me chateia. Sou um cara conformado, sem grandes aspirações na vida, apenas gostaria que me enxergassem naturalmente.

Hoje é meu aniversário. Meu irmão prometeu que comemoraríamos com estilo. Ele disse que seria uma surpresa, mas me levou a uma casa de massagem — já desconfiava. Quando entramos, as garotas me olharam do mesmo jeito de sempre, escolhi a que parecia ter menos medo de mim. Dentro do quarto ela me tratou com muito cuidado, como se eu pudesse quebrar a qualquer momento, o que me deixou ainda mais chateado. Ela me colocou numa posição que não tinha como dar errado, então a fodi com fúria, com toda a força do meu coração, lembrando de cada olhar de desprezo das ruas, enquanto um sorriso de contentamento ganhava sua face.

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- Vou te contar um segredo.

- Qual?
- Eu transei com um homem de uma perna só.
- E aí, foi legal?
- Ele ficou numa posição ótima e me fez de moleta.

Este microconto foi escrito e publicado por Cleyton Cabral no http://cleytudo.blogspot.com/

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AQUÁRIO
Edynei Santana

Aqui dentro: tesão, verrugas cristalizadas por uma mágoa eco do que há lá fora. Todos são assim (aquários ou seres da terra, somos assim): há as flores e as verrugas, há também ácidas lágrimas quando vejo paixões que até ontem era fogo caírem como folhas secas no vazio das praças em domingos sem carnaval.

Você me olha e não nota o quanto existo, não me trate como criança, daqui de dentro posso te matar, mas antes sugo gota a gota toda tua sedução, para que não machuques mais ninguém.

Quem disse que vivo no não corpo? Vivo dentro do que sou e o que sou só os delicados anjos do calçadão é quem podem sentir, sentir é melhor que ver. Os anjos do calçadão não vivem em um aquário, vivem em uma vitrine, somos iguais em invisibilidade, mas cheios de prazeres nem sempre silenciosos.

Borbulho por amores, qualquer amor, na minha cama sou homem e mulher, a febre das palacianas e a alegria dos mendigos, borbulho em febre, meu aquário é meu corpo e se você pensa que sou frágil posso te afogar no cuspe da minha indiferença.

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CASA DE MASSAGEM III
Marcus Gusmão (terceiro ponto de vista sobre o conto de Herculano Neto)

Enxuguei as mãos, joguei o avental na pia e fui para o depósito. Cheguei a tempo ao meu posto de observação, uma fresta na junção das madeiras da janela do quarto dos fundos. As garotas sabiam quando eu estava ali, mas desta vez não teve a piscadela de sempre. Ela se concentrou em tirar a roupa do cara. Muitas vezes fazia isso com aqueles que achavam estar o serviço incluído no preço. Neste caso era necessidade.

Moro em Alagoinhas e para mulher e filhos justifico Salvador todo fim de semana com uma pós-graduação. De fato, faço o curso, já é o terceiro. Mas à noite trabalho quase de graça numa casa de massagem, como barman.

De repente só havia o corpo dela de costas para mim, agachada de quatro, com os cotovelos apoiados no colchão. Aquela posição era a melhor, dava pra ver todos os movimentos. Mas desta vez não havia outras pernas nem outras mãos. Do cara eu só via a cabeça apoiada sobre o travesseiro. E os olhos. Toda a energia daquele corpo se concentrava nos olhos e na pélvis totalmente envolvida, calçada por outro travesseiro. Parecia um gato comendo um passarinho.

Estava acostumado a olhar. Muitas vezes era só um olhar um pouco febril. Mas desta vez senti a febre mais alta, da nuca para a cabeça. Respirava no ritmo daqueles dois, ritmo intenso, cadenciado, seguido também por minha mão direita. Lá pelas tantas ela virou o pescoço e finalmente me saudou. Notei um sorriso diferente no seu rosto. Gozamos os três quase ao mesmo tempo.

MICROCONTO #252
Tiago Moralles

- Amo sua perna.
- Você fala isso porque não tem escolha.
- Magina, mesmo se você tivesse as duas eu ia gostar mais dessa.

MICROCONTO DE Chorik

Lá fora a chuva caía de forma intermitente. No silêncio do meu quarto eu contemplava mais uma vez aquele corpo nu. Via no rosto a expressão de uma vida inteira roubada pela pólio. Naquelas pernas definhadas pelo esquecimento a inércia convidava ao toque macio das mãos. Os braços estendidos pareciam sussurrar “entra no meu mundo, carrega-me para sempre”. Mas, do lado de cá do espelho, a cadeira de rodas era real demais e eu jamais consumei aquele amor-(im)próprio.

MICROCONTO DEVOTEE II
Cleyton Cabral

Seus braços chegavam até depois dos cotovelos. Já seus abraços, percorriam o infinito pleno do meu ser. Eu gosto dos seus abraços. Gosto da suave música do teu corpo no meu. Dentro. Aqui dentro do meu coração. Nem parece que você é diferente. Você é tão igual. Você é tão meu. Você é tão. Você.

O PÉ DA CINDERELA
Edu O.

Era final de balada n'A Loca da paulicéia desvairada. Corri pro Vegas com uma turma, mas acabei sozinho na boate porque estava com planos para a minha vida: um rapaz lindo, com seus olhos azuis e boca vermelha e carnuda. Roubou meu chapéu alemão sem se despedir de mim. Fui ao bar pegar a oitava Cuba e caçar outra boca para a minha insaciável. Avistei num sofazinho do canto um outro olhar fixo em mim e um sorriso que fingia timidez e conquista. Me aproximei também com meu sorriso de conquista. Ofereci a bebida e ele me bebeu.

Segurava com prazer as minhas pernas e tirou o meu sapato para sentir os meus pés pequenos em suas mãos. Já estávamos agora no quarto do hotel onde ele estava hospedado. Esfregava com volúpia meus pés no seu pau, seu peito, sua boca. Sentou-se na minha cadeira de rodas e me sentou no seu colo.

A noite acabou num dia lindo, ensolarado e eu com sorriso dourado olhando aquele povo que saía para o trabalho não me dei conta que estava apenas com o pé esquerdo do sapato. Uma cinderela sem saber sequer o nome dos príncipes ladrões.

O ADEUS
Luli Facciolla

E lá estava ela, largada ao sofá, rosto lavado em lágrimas, peito dilacerado em dor.

Havia pensado em tudo: lingerie vermelha sob um vestido curto que permitia mostrar as pernas, comida pronta e levemente picante, vinho seco e gelado na medida e a meia luz dando o toque final àquele encontro romântico de despedida. Seria a última vez.

Ele entrara com um chute de arrebentar a porta. Sem palavras tomara do vinho aos goles ainda no gargalo, cuspira na comida e jogara, puxando a toalha, tudo ao chão.

A empurra pelas costas fazendo com que debruce sobre a mesa, arranca-lhe a calcinha com brutalidade. Come-lhe o cu e sai ainda ajeitando o membro, agora flácido, nas calças.

Havia pensado em tudo, mas não tinha braços e, portanto, não haveria de ter um último gesto, o gesto de adeus.

PAR DE SAPATILHAS
Bípede Falante

Tu ignoras os meus contornos e os meus movimentos e não me eleges tua primeira bailarina e, mesmo assim, me descortinas com esse teu sopro de palco e tu ignoras a razão do meu suor e o confunde com cansaço e me pensas exaurida porque tremo e porque tarda a hora e eu, tonta e descompassada, não termino a coreografia porque o que me prende e transpira não é a dança nem a água, e, sim, a tua presença sobre esse par de rodas que giras feito um planeta em direção a um outro par de sapatilhas.

5 MINUTOS
Fernando Lopes

Lágrimas leitosas escorriam docemente por entre aquelas pequenas nádegas sobre o lençol. O corpo estava suado, mas seu olhar acordado. Um vento arrepiava seu corpo nu iluminado por uma fraca luz que vinha da rua.

- Pega uma manta pra mim – Pediu o pequeno homem quase como num sussuro.

Seu companheiro que estava deitado de olhos fechados ao seu lado, abre os olhos um tanto assustado, pois estava quase dormindo e compreende o pedido. Levanta-se nu e se estica para pegar a manta que estava numa prateleira alta do armário. Esticou-se bem, e o pequeno homem, preso a cama por sua condição física, contempla os volumes daquele corpo que o possui a poucos instante. De como sua força era utilizada naquele corpo pequeno, mas nada frágil.

O amante retorna com a manta e deita-se sobre o peito do pequeno homem, aninhando-se junto a ele, abraçando aquele tronco sinuoso, e rapidamente dorme. O pequeno homem mantém-se acordado, bem acordado, ao demonstrar um volume desproporcionalmente grande comparado ao seu corpo sob a manta.

O TROCO
Anônimo, mas nem tanto

Chegou a porta pingando de suor, carregando os 20 litros de água mineral que entrega diariamente em casas do bairro. Elevador quebrado, jeito que teve foi subir escada até o sétimo andar. Tocou a campanhia diversas vezes sem sucesso. Sem acreditar que tinha feito esforço pra nada, sentou um pouco para descansar. Ouviu uma voz de lá de dentro se desculpando e pedindo para esperar. Com esforço ela abriu a porta.

Ele sem entender não via ninguém quando abaixou as vistas e vislumbrou aquela imagem que lhe encheu de tesão e pena. A menina engatinhando se desculpou pelo banho demorado e foi se arrastando até o sofá. De short curtinho mostrava as pernas finas e os pés pequenos, a posição de quatro deixava a mostra seus seios pequenos embaixo da camiseta sem sutiã. O rapaz tremendo de desejo pediu um copo d'agua e não conseguiu esconder o membro duro sob a calça jeans. A menina olhou e sorriu. Pediu que ele a carregasse até a cadeira de rodas. Sentia o peito do homem tremer com o coração disparado tocando quase sem querer suas pernas e seus seios no carregar abraçado do seu corpo leve. Sentou com as pernas encostadas nos braços da cadeira deixando ver seus pêlos sem calcinha. Mamou aquele homem na porta de casa, entregou o dinheiro, recusou o troco e fechou a porta.

Ele continuava descansando na escada.