Para que as ideias sobrevivam e possam potencializar suas discussões em busca de possíveis mudanças é preciso que tenha alguém para defende-las. Corpo Perturbador é uma obra que, além de alavancar discussões sobre o corpo, deficiência e acessibilidades, nos fazem refletir sobre os discursos equivocados a respeito dessas pessoas como incapazes de construir conhecimentos. Esta obra nega cabalmente tal proposição. Efetivamente , as lacunas que insistem em residir no campo da dança sobre o assunto ainda encontram dificuldades para elucidar e franquear o acesso desses artistas que apontam novos modos de organizações de corpo inovadores que causam certos estranhamentos percepcionais, ou seja, um preconceito generalizado e difundido no mundo da dança e no imaginário social, justo por não encontrarem nesses ambientes de direito, espaços de representatividade e de convívio comum. Por suas próprias ausências tão comuns no ambiente artístico suas aparições soam e reverberam esses estranhamentos ao revelar seus corpos escolióticos e deformados pela paraplegia desvestidos. Expostos estão suas curvas e questionamentos que se debatem e embatem rastejando por entre as pernas das cadeiras e as pernas das pessoas. Por que se esgueiram? O que nos questionam? O seu plano de visibilidade é outro, é o solo, o chão, exige que desviemos o olhar para o que se apresenta esparramado no chão prolongados pelos corpos bichos estendidos, agora transformados em lugar de significados. Além de estranho, ameaçador pois desloca o olhar e o pensamento da dança para um lugar/ambiente que exige outro modo de organização de corpo que não aquele comum e virtuoso, o velho ideário do corpo para a dança.A dança contemporânea aqui esta representada em suas características, a presença de múltiplos corpos e o foco do olhar desviado do centro. Dá trabalho? Sim , muito, muito, muito..., como qualquer trabalho artístico de dança que exige do corpo competências no seu fazer. Corpos em suas singularidades que criam discursos politicos colados na contemporaneidade, transgredindo e avançando no tempo. Paradoxalmente, ao refletir que esse projeto tinha como uma das ideias fundante a colaboração entre diversos artistas, uma proposta desafiadora em que todos os envolvidos versariam em torno de uma ideia comum, que seria o sucesso e o avanço de uma obra genuinamente contemporânea (construída por todos), se esbarra justo na ausência de habilidades que envolvem os processos colaborativos, processos que dependem da maturidade e de relações consistentes entre toda a equipe para que a obra possa encontrar seus espaços de autonomia e permanência no tempo. Corpo Perturbador tem outros problemas para dissolver. Quais são eles? Inúmeros, não cabe citá-los aqui, porem cabe a cada um refletir suas fragilidades para avançar , para mudar o tecido social que embarreira os projetos que apresentam caracteristicas estruturantes ao propor problemas que avançam em direção a construção do conhecimento sem se deslocar da realidade.
Profa. Dra. Fatima Daltro (nome artístico: fafa Daltro).
escola de Dança da Universidade Federal da Bahia,Coreografa Grupo X de Improvisação em Dança.
foto de Débora Motta
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