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sábado, 11 de dezembro de 2010

A Trilha Perturbadora

Por Cássio Nobre

A trilha sonora do “Corpo Perturbador” surge da experimentação em torno de ruídos, distorções, dissonâncias, dinâmicas e deslocamentos sonoros. Ao vivo, são utilizados instrumentos reais (como a guitarra baiana e pedais de wah-wah, overdrive, delay e loop), e instrumentos virtuais (plug-ins de processamento de áudio controlados via laptop). Além dos temas e texturas musicais criados especialmente para o espetáculo, obras de outros autores foram incorporadas à trilha, a exemplo de uma música do grupo Sepultura, e  uma poesia do poeta Carlos Drummond de Andrade.


Trilha sonora original, guitarra baiana e processamento de efeitos sonoros: Cássio Nobre

Músicas:

  1. Óstia (Sepultura)
  2. Dla Ciebie (Emilie Lesbros)
  3. Halftime (Erren)

Poesia: As Contradições do Corpo (Carlos Drummond de Andrade)

Meu corpo não é meu corpo,
é ilusão de outro ser.
Sabe a arte de esconder-me
e é de tal modo sagaz
que a mim de mim ele oculta.

Meu corpo, não meu agente,
meu envelope selado,
meu revólver de assustar,
tornou-se meu carcereiro,
me sabe mais que me sei.

Meu corpo apaga a lembrança
que eu tinha de minha mente.
Inocula-me seu patos,
me ataca, fere e condena
por crimes não cometidos.

O seu ardil mais diabólico
está em fazer-me doente.
Joga-me o peso dos males
que ele tece a cada instante
e me passa em revulsão.

Meu corpo inventou a dor
a fim de torná-la interna,
integrante do meu Id,
ofuscadora da luz
que aí tentava espalhar-se.

Outras vezes se diverte
sem que eu saiba ou que deseje,
e nesse prazer maligno,
que suas celulas impregna,
do meu mutismo escarnece.

Meu corpo ordena que eu saia
em busca do que não quero,
e me nega, ao se afirmar
como senhor do meu Eu
convertidoem cão servil.

Meu prazer mais refinado,
não sou eu quem vai senti-lo.
É ele, por mim, rapace,
e dá mastigados restos
à minha fome absoluta.

Se tento dele afastar-me,
por abstração ignorá-lo,
volta a mim, com todo o peso
de sua carne poluída,
seu tédio, seu desconforto.

Quero romper com meu corpo,
quero enfrentá-lo, acusá-lo,
por abolir minha essência,
mas ele sequer me escuta
e vai pelo rumo oposto.

Já premido por seu pulso
de inquebrantável rigor,
não sou mais quem dantes era:
com volúpia dirigida,
saio a bailar com meu corpo.