Por Maíra Spanghero
A primeira vez em que contato com o projeto O Corpo Perturbador foi através de Diane Portella no final de 2010. Eu estava na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia esperando o beiju com manteiga que a quituteira Neti preparava para mim quando ela se aproximou. Quis saber se eu era quem ela estava pensando. Diante da afirmativa e no decorrer da conversa, Diane me contou a respeito das atividades do projeto e do blog de Edu O. Por fim, perguntou se poderia responder duas perguntas diante de sua câmera: o que te perturba? O que é um corpo perturbador?
Pausa.
Gola romântica, torso nu, pés de casco, pernas muito compridas de pêlo de bicho. É assim que o artista do corpo, o baiano Eduardo de Oliveira (mais conhecido por Edu O.), e seu comparsa, o bailarino Meia-Lua, entram em cena. Digo, caminham-rastejando perto dos nossos pés até o pátio do ICBA, a área aberta do Instituto Goethe de Salvador. Chove um mar. O público está acomodado ao redor do lugar que os dois artistas re-significam com força e destreza. A olhos nus, há uma inteligência naqueles corpos que a maioria dos humanos desconhece, sequer sonha existir, quiçá ter coragem para olhar.
Como se sabe, tem-se preferido chamar de “corpos com necessidades especiais” aqueles que estão em uma das extremidades de uma escala que os regula entre “normais” e “deficientes”. Em certa medida, todos temos necessidades especiais diferentes uns dos outros, certo? Embora os primeiros tenham que lidar com adversidades que os humanos caminhantes enfrentam de uma outra forma e, obviamente, com maiores rotas de fuga e favorecimento, o que fica mais explícito no trabalho cênico “O Corpo Perturbador” são as habilidades. Para além das diferenças e dificuldades, os limites eliminam possibilidades para abrir caminho para algum porvir. O que há de vir não existe, precisa ser construído e inventado, como é o caso dessa dança. Para Eduardo Oliveira e Meia-Lua, o que parece estar apenas carimbado de limitação, se torna, claramente, trampolim. Só os corajosos pulam.
Aquelas pernas-bota são lânguidas. São espartilhos para membros inferiores. Os corpos que a portam, além de seus super-poderes sensório-motores específicos, emanam sensualidade. Lembram-nos, com enorme elegância, que há sexualidade ali, que há potência em todas as suas partes. São corpos que afetam e são afetados criando uma política de vínculos baseada nesses afetos. Couro, pele, pêlo, carne, laço, osso e sangue. Corpo-árvore, corpo-que-se-carrega, corpo-rastro, corpo-bicho.
Não quero que se machuquem nunca mais.
Salvador, Fevereiro/2011.
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