quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O aborto

Pensei demais o que eu deveria fazer. Escrever? O que? Para que? Se o fim já estava anunciado, falar por que? Pela primeira vez sofri um aborto. Forcei o aborto. Abortei O Corpo Perturbador e agora não tem mais volta, não posso me arrepender. E digo aborto porque não cresceu o tanto que podia crescer. As coisas foram distribuídas, destruídas. Bati a toalha. Hoje, decretado o fim real deste trabalho. Claro que poderei dar continuidade a esta pesquisa de uma outra forma, com outra proposta, mas o fato é que aquele Corpo Perturbador acabou. Não tivemos, repito, não tivemos capacidade, competência ou vontade de fazê-lo crescer. As dificuldades foram muitas desde o início: atraso da verba, estagiário que não encontrava, lona que não chegava, inspiração, trabalho, espaço, viagens, diverticulite, impossível montagem, desistência, furos, mais atrasos.... Aquele monstrengo lindo e enorme.

Sinto dificuldade em falar do trabalho porque há coisas imperceptíveis, sutis, que me são tão caras, tão importantes.......... Importante! O que é importante nesse mundo descartável? O Corpo? A Perturbação? O embate? A provocação? A arte? A arte é importante? A arte é um perigo! "A arte é uma coisa perigosa. A arte busca o máximo da vida", sentenciou Teixeira Coelho no livro A cultura e seu contrário.

O Corpo Perturbador foi um espetáculo onde me coloquei num risco máximo. Rememorei subir em árvores, me transformei em bicho, em Baco, lutei Jiu Jitsu, dancei na chuva, embaixo de raios e trovões. Acho curioso que o meu único trabalho onde me exponho sem adornos engraçadinhos, sem firulinhas, sem delicadeza, seja o único trabalho a ser abortado. E isso me dói constatar. Não sei o que pensar ainda sobre isso, mas nos diz alguma coisa. Ou não? Judite é danadinha, veste capa de boneca para morder todo mundo e sair assoprando depois. Odete é delicada, como devemos ser quando recebemos visitas em casa, mesmo que o que conversarmos seja pesado, um chá de difícil digestão e Marilyn é maluca da Carlos Gomes que vê o tempo consumindo tudo. Neste último eu também exponho meu corpo torto, esdrúxulo, mas foi no Corpo Perturbador onde escancaro tudo e ainda tinha Meia Lua e a força que aquele corpo traz. 

Estou falando demais para quem não sabia o que iria falar, mas é morte sem ser Odete. Mas é bom lembrar dos Papos Perturbadores, lembrar de Diane e seu olhar e presença e afeto, lembrar que Baby esteve aqui neste cantinho, os contos devotees, as entrevistas, aquela mesma pergunta de sempre, cigano-poeta-índia-artesã-dançarinos-barman-Dona Canô-Dona Luizinha-Minha vó Alda-Makiba ......................................................... ICBA-Palácio das Artes-Escola de Dança-Pelourinho...................................

Muito pouco, eu acho. Queria falar mais.


3 comentários:

  1. Edu, amor - só me lembrei de Otto naquele dia de últimos momentos de experimentar o perturbador... tocou e re tocou - o leite... http://www.youtube.com/watch?v=jUIOKICi9Eg
    e foi lindo!
    lindo como é, como foi e como passa a ser transformado! Ontem o encontro foi demais! todo amoooor!!!

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  2. Talvez por causa deste pouco/TUDO que você escreveu, eu reconheço que tive oportunidade e disponibilidade para vê-lo, mas não fui. Eu sabia que teria que me defrontar com os "meus muitos corpos pertubadores", crus, sem firulas, sem adornos, expostos, nus e eu não conseguiria enfrentá-los. Ainda não estava pronta. Pena que se foi... Sofro também um aborto no meu crescimento pessoal por não ter assisti-lo.
    bjs

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  3. Que fotos!!! Uau! Parabéns.
    Espero que sua busca não se acabe e nem também este blog.

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