domingo, 3 de março de 2013

Antes ele do que eu

Sei que muito triste ver uma mãe chorando a morte de um filho. Nunca concordei muito com isso porque quem está vivo é para morrer mesmo, né? mas dizem que o natural é o filho enterrar os pais. Pensando nesta mulher que vê o filho ali estendido, me dá pena, mas nunca pensei em deixar de matá-lo.

Não lembro de ter matado nenhum personagem antes, sempre busquei em meus personagens algo que comunicasse possibilidades, alternativas, nada que ficasse fechado em verdades, em radicalismos, mas este era inevitável matar, já nasceu morto, embora tenha vivido mais de 40 anos. É que não consigo conceber uma pessoa que não sabe para que veio, que não se dá utilidade, que não compreende a função que se meteu a fazer. Não posso manter vivo um ser que se confunde com um botão, uma maçaneta, uma dobradiça, sim, porque ele nunca chegaria a porta. Embora tenha sido contratado como porteiro de um prédio, nunca entendeu o que aquilo significava. Imagine alguém passar a vida simplesmente apertando um botão, apertando botão e dormindo. Ele não ajudava aos moradores que chegavam com compras, nem à velha com AVC em sua cadeira de rodas. Nem levantava para fechar o que acabara de abrir. Vivia sonolento, bêbado com zipper aberto e sandália enfiada num pé com meia e aquela cara medonha amassada, amarrada. Falava com ninguém a não ser com o vendedor de cafezinho que passava vez ou outra  por ali. Não tinha apreendido com outros colegas a transformar aquelas noites em seu ofício. Acredito que pouca gente deva gostar de trabalhar na madrugada, num serviço como este, mas os seus colegas transformavam a noite com sorriso e delicadeza, presteza e atenção. Sempre um BOA NOITE carinhoso, puxando algum assunto sem se meter na vida de ninguém. Mas ele não, só queria dormir. E quem nunca quer acordar, para quem vive alheio ao mundo, dormindo, fechado em si mesmo é como alguém que já morreu.

Fica aqui aquela máxima: ANTES ELE DO QUE EU!

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