Um conto erótico escrito por Henrique Wagner
Não sabe exatamente quanto tempo precisou para fazer-se homem. Sabe, no entanto, com certeza cristalina, onde fica a cicatriz, esse umbigo que o acompanhará para todo o sempre, até que, tomado pela coragem de um samurai, cometa o haraquiri, e dê por encerrada a herança da humanidade, de barriga a barriga, de hausto em hausto. A violência que o toma, no entanto, é a da vida, não a da morte; é a violência da lubricidade, não a da inércia. E talvez por isso sente-se pior que solitário, sente-se aleijado, como que sem uma parte, a mais importante, de sua pessoa ou existência. Uma parte conhecida, o que acaba por definir a saudade. Sente-se infindo, justamente quando inteiro, sendo homem. Homem feito. Aquela manhã canicular talvez tenha lhe dado a sensação de que todo corpo é deficiente. E de que toda escultura é uma cicatriz, o cautério sobre o buraco insuportável da inexistência de algo, o invisível, o olho do dia.
Levanta-se e fica de pé, diante do espelho. Percebe como cresceu e como criou corpo, em seus dezenove anos feitos ontem, sem festa, além dos amigos de bushidô em sua casa. Despe-se inteiramente e fica, sem o perceber, maior, como se só agora usasse um sobretudo feito de pele humana, grossa. Tem o tórax aberto, largo, com peitos bem desenhados e de mamilos com auréolas grandes, de cor escura. Os trapézios são altos, os braços são bem fornidos, grossos e íngremes, e o abdome tem a beleza que toda cimitarra gostaria de refletir. As pernas são grossas e levemente arqueadas, peludas, os pelos escuros e lisos, quase escondendo a brancura azeitonada de sua pele. Enfim, encontra-se o homem feito. Mas feito o quê, ele se pergunta, se ainda sente como se faltasse algo para ser?
Inteiramente nu, observa os pelos escuros que sobem do púbis e, feito uma fileira de formigas trabalhando, dividem, numa linha negra, o tronco em duas bandas. Sem se dar conta, senão internamente, percebe no espelho que seu membro, incomumente grosso e de todo coberto, ainda, pela bolsa de pele, até a glande, começa a crescer e apontar para si mesmo. Chega a parecer um charuto com a ponta desabrochada, franzida, mostrando uma lua árabe ou muçulmana mesmo, em seu interior.
Sente os mamilos eriçados, os punhos quadrados parecem ter desejo, e as coxas, escarpadas, cheias de gradações musculares, entregam-se a certo nervosismo ou temor, como se fossem habitantes de Pompéia diante da ameaça do Vesúvio. Confuso por não saber o que pensar, e se deseja pensar, e se precisa pensar, estando ali, diante de si mesmo, leva a mão ao membro duro, já inteiramente desenvolvido e pendido feito um galho que carrega uma fruta madura, grande e pesada.
Ergue o pênis, de modo a tocá-lo no umbigo. Sim, ele alcança o umbigo e até o ultrapassa. Trata-se de uma genitália bem fornida, bela e grande, adulta, maior do que pode imaginar o tamanho do pênis do pai, aquele que penetrou sua mãe pela ferida aberta, jamais cicatrizada.
Observa a linha, cujo tom mais escuro que o da pele, desenha facilmente seu caminho, num decalque; observa que essa linha perfaz o itinerário que vai do escroto à ponta do “charuto” – ele pensa com as aspas, agora. Sente o frêmito do amor viril, da paixão pelo corpo, e não consegue ver as curvas da mulher com quem foi para cama ainda ontem, em meio a risos e gargalhadas de amigos e pretendentes.
Sua mente anda escura, agora, mas seus olhos vêem tão claro que ele, assaltado por si mesmo, tenta fechar a mão direita sobre o pênis duro, toma posse, sente a pele elástica e a “grossura” de um membro tão rude, bruto, mal-educado. Assim, começa a manejar seu mais novo desejo, com o ritmo que só mesmo ele poderia imprimir a si mesmo, enquanto mantém os olhos fixos sobre seu tórax indecente e os deltóides trabalhados. É um homem, definitivamente, tem cerca de um metro e oitenta e cinco e pesa, provavelmente, oitenta e cinco quilos de puro músculo e nervo.
Os mamilos parecem romper contra o vento. Ele observa o saco, que endureceu e parece uma bola de pedra, muito bem arredondada. De repente tudo se torna compacto, duro, concentrado e latente. E novo, tudo novo, como o desejo de, de repente, salivar um dos mamilos e boliná-lo. Ele cospe sobre o peito e leva o líquido transparente ao bico duro dentro da auréola. Sente o transe chegando, o movimento ondulatório, o ritmo quase nauseante de quem, a qualquer momento, pode deixar de ser o timoneiro. Mas em momento algum deixa de manipular o pênis, sempre num ritmo envolvente, com a mão tentando, debalde, fechar-se sobre a imensa grossura do membro rijo, quase gordo de tão carnudo, voluptuoso.
Ele é quase inteiramente líquido, agora, e sente a languidez que as mulheres devem sentir, quando bêbadas de batom. Talvez por isso tenha cuspido sobre o pênis, sem parar de friccioná-lo. Pensa agora que não se trata mais de um pênis, mas de um grande e amedrontador cacete, duro, farto, irritado. Esse cacete que parece a direção da locomotiva, de seu corpo em movimento, sem sair do lugar, feito uma árvore que recebe nutrientes do caule e os leva até os frutos, esse movimento vertical que parece, no entanto, diminuir a altura dele, ele, que vai se esgueirando, contraindo o corpo de tanto prazer e tensão.
Estranhamente sente o forte desejo de nutrir-se de si mesmo mais profundamente. Então, enfia o nariz em um de seus sovacos e sente o cheiro de seus pelos suados, que agora parecem pelos pubianos, com aquele cheiro de mato molhado. Tenso, com medo do que possa estar acontecendo consigo mesmo, coloca todo o seu peso sobre o espelho, por meio da mão esquerda, escorada na moldura antiga da família. E avança na fricção, como se quisesse acabar com aquilo. O movimento é cada vez mais rápido, enquanto sente o próprio cheiro sob um dos braços. Sente vontade de olhar-se novamente, sente saudade de si mesmo, e então, tira a cara dos pelos e olha seu corpo, dos pés aos olhos levemente puxados de um guerreiro mongol. Assusta-se com o tamanho e a ira do próprio cacete, e ousa pensá-lo “rola”, “pau”, “caralho”, “tora”, “pica” e “rola” novamente. Pensa que é, sim, um homem “roludo”, “cacetudo”, “pauzudo”, “picudo”, tudo isso. Um homem bem dotado, desmarcado, como ouviu um dia alguém dizer. Um cavalo. Agora não quer mais parar de olhar-se, mas sente vontade de cheirar algo de seu novamente. Enquanto bate punheta – agora pensa assim, e não mais as palavras “fricção” e “manipulação” – freneticamente, e com uma virilidade marcial, leva a mão esquerda, a do espelho, ao períneo, e de lá ele rouba o cheiro forte da pele suada e recôndita, de uma região que parece um vale protegido por belos e rotundos promontórios. É o cheiro do saco suado, do períneo e do começo do ânus, que apenas não pode ser visto, mas está ali, ousado, líder às avessas. Olha aquela indecência bela e ousada e pensa que pau foi feito para macho mesmo.
Um homem que se masturba está completo em seu desejo, ele pensa. E sem pensar, tão cedo ainda, pouco antes do café da manhã, atinge a si mesmo com o jato de porra que ejacula, e que fica a escorrer e a pingar do espelho.
Combalido, começa a pensar, imerso em névoas e medo do futuro, que não se fez homem, mas que foi feito homem, ali, diante de si mesmo, por si mesmo, mas do outro lado de quem vê. Agora sabe que, em sua deficiência de ser um, tornou-se um anjo caído, um deus que deseja e, quando cria, devora seus criados.
E agora falta ao espelho, o umbigo trêmulo. Mas intacto.
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