Acordei sem acreditar no que estava acontecendo. O corpo moído pela apresentação passada, cansaço até de pensar, ser acordado com telefone gritando no pé de ouvido.... ahhh, isso me mata!!!!
Havia previsto me largar na cama, permitir meu corpo enjoar de dormir, brigar com o colchão, sair dolorido de preguiça, acordar quando não aguentasse mais ficar deitado. Ontem foi um dia cansativo. Além de insônia cotidiana, "nomadeira" em meu travesseiro, tivemos uma montagem complicada do cenário e o espetáculo demandou muito esforço, pelo menos para mim. Saí exausto, querendo silêncio, quietude e cama.
Quem assistiu ao espetáculo sabe o volume de cenário que temos, é muita coisa, o quebra-cabeça de isopor ocupa muito espaço, os canos de pvc também e o quartinho onde estavam guardados teria que ser liberado. Trouxemos tudo aqui para casa, porque no prédio há um mini-depósito na cobertura onde cada apartamento tem sua portinha. Como era noite e lá não tem luz, deixamos tudo na portaria para resolvermos de manhã.
Pois bem, aí começa o dia. O telefone tocou 8h da manhã. Minha cabeça, cotovelo, olhos, tudo doendo. Me arrasto pela cabeça capengando, quando soldado em guerra, pego o telefone, era o síndico me dando orientações para o que eu deveria fazer com aquele mundo de coisas que estava na frente do prédio. Expliquei que iríamos resolver isso ainda esta manhã, que era uma situação imprevista.... enfim... ele foi muito delicado, mas a gente sabe o que queria realmente dizer, ne?
Acordo a amiga/produtora que estava mais cansada do que eu pois estava montou o cenário e depois desmontou, para ver o que ela conseguia resolver, porque no tal mini-depósito não cabia o material, aqui dentro de casa não dá. Que transtorno! Ficamos catando lugar que coubesse e alguém que deixasse colocarmos o "bagulho" todo lá. Enfim, conseguimos. Agora é aguaradr carreto!
Sempre me dizem "dança é corpo", mas eu com os resquícios de artista plástico, insisto em instalações. Deve ser porque não me garanto tanto no corpo, né? Estratégia inteligente de camuflagem.
Hoje tive uma reunião com Cássio Nobre, compositor e músico da trilha sonora do espetáculo O Corpo Perturbador. Cda vez que escuto seu trabalho fico mais admirado e feliz pela escolha. Cássio é um artista muito sensível, delicado no trato com as pessoas, lindo, de musicalidade bela. Faz um trabalho extraordinário com o Samba Chula de São Braz e tem levado esse som aos quatro cantos do mundo. Me orgulha muito, eu que sou do recôncavo, do samba, estar ao lado de alguém como ele.
Cássio Nobre. foto de Nei Lima
Passamos mentalmente o roteiro da apresentação enquanto ele mostrava a trilha, as músicas. Somente a trilha já me dava a sensação do que eu sabia que era a cena, como ele captou tudo e mesmo indo por sentido oposto ao que a cena propões, fazendo contraponto, ele traz a essência da coisa pelo outro lado. Impressionante!
Esta trilha é bem especial mesmo. Ganhei, na verdade pedi de presente a Emilie Lesbros, uma cantora fancesa fantástica que trabalhei ano passado quando participamos do Euphorico, lá pelo sul da França. que me liberasse uma música que ela compôs em Polonês. Durante as conversas e entrevistas sobre o que perturbava as pessoas, o nazismo era um tema recorrente. Eu não sabia como encaixar isso no espetáculo sem ficar óbvio, sem diminuir a importância e a força que esse assunto tem. Como a Polônia foi um dos países que mais sofreram nas mãos de Hitler, eu achei que seria uma maneira de trazer para o projeto algo que era tão latente em todos, mas de forma sutil e justamente no momento mais violento que é a parte do jiu-jitsu. Me emociono em cena ao pensar no que aquilo pode trazer de significações a quem vê e com certeza ninguém pensa que pode ser também isso, porque da mesma forma que é a cena mais violenta é também a mais sensual.
Emilie, Fafá e Edu. Foto de Clênio Magalhães
E alguma coisa aconteceu, porque a primeira música que escolhi para o espetáculo, ainda quando eu nem sabia direito o que seria dele, foi Ostia, do Sepultura. Um metal maravilhoso, com uma sonoridade excelente. Eu nunca curti muito som pesado, ouvi pela primeira vez esta música e me rendi totalmente a ela. Me perturbou para valer!
Aqui a música maravilhosa Dla ciebie, num momento emocionante, tocando num violino muito antigo encontrado na parede de uma casa de amigos. No espetáculo está a versão oficial.
Comemorando a apresentação de mais tarde, no Pelourinho, publico um video fodástico da banda Sapultura. Espero que curtam.
Ostia
The skies are open before meThe crowd of souls in sudden flightHoping for prayers in the world
Late repentant, no stain from hellI thought the worst had, I thought the worst had pastTraitors of the people, they have no faceI will not trust what I can not seeNone will have the time to strike a blow - the final blow
Hell - no stain from hellThose fools are the ones we vote forThe kings and rules of negligenceTaking a nation to lead in decayA shade announcing another lawCan not believe I couldn't escapeNo chance to leave this plagueI have to be cleansed, from all the blameThe final blow!
Ostia
Os céus estão abertos diante de mimUma multidão de almas em fuga súbitaNa esperança das orações em todo o mundo
Arrependimentos tardios, nenhuma mancha do infernoEu pensei que o pior tinha, eu pensei o pior tinha passadoTraidores do povo, eles não têm faceNão vou confiar naquilo que eu não possa verNada vai ter tempo de encontrar um golpe - o golpe final
Inferno - sem mancha do infernoEsses são os tolos que nós iremos votarOs reis e as regras de negligênciaTomada à conduzir uma nação em decadênciaUma sombra anunciando outra leiNão é possível acreditar eu não podia escaparSem chance de sair desta pragaTenho de ser limpo, a partir de todas as culpasO golpe final!
A divulgação para a apresentação de amanhã está com a corda toda na internet e hoje saiu uma matéria grande na capa do caderno de cultura da Tribuna da Bahia.
Quando finalizamos (?) o processo d'O Corpo Perturbador fiquei pensando se ele teria vida longa, como seria a recepção do público e dos possíveis contratantes, o que aconteceria com este filho recém nascido. Porque cada projeto tem um caminho diferente e este era/é tão especial para mim e eu desejo tanto compartilhá-lo com um número grande de pessoas que possam refletir sobre as questões levantadas ali, que se perturbem, que cheguem junto com a gente.
Judite é um projeto surpreendente. Desde 2006 essa lagartinha não cansa de aparecer, as pessoas não cansam de assistir, os convites não param de chegar. Cada momento lindo que vivemos com este espetáculo, tantos desdobramentos.... Odete também chegou vitoriosa e ano passado houve um período intenso de conquistas e convites. Era o mesmo ano em que O Corpo Perturbador foi criado e como as pessoas estavam acostumadas com projetos meus delicados, sutis, com elementos delicados em cena, fiquei apreensivo de como receberiam O Corpo, uma proposta mais agrassiva, forte, quase um tapa. Surpreendentemente o espetáculo conquistou a aprovação da maioria de quem assistiu, recebi textos incríveis sobre o projeto e os convites não param de chegar. Isso me dá muita alegria, porque sou um artista que gosta de se colocar na vida e a forma melhor que encontrei para isso foi através do meu corpo.
Conversei esta semana com Cate, produtora do espetáculo, que para mim é difícil me definir num lugar de dançarino, artista plástico etc etc etc, não sei me rotular assim porque o que eu sinto que sou é apenas essa pessoa que se comunica através de algum suporte (corpo, tela, papel, palco, rua) seus pensamentos de mundo.
Quinta-feira vamos apresentar no Pelourinho, um espaço tão importante da cidade, onde encontramos o mundo todo ali e ao mesmo tempo nosso quintal. Todo tipo de gente para ver, assimilar ou rejeitar.
Filho quando vai pro mundo é assim, temos apenas qe torcer que tudo dê certo, que os caminhos se abram e faça sucesso.
Soube deste projeto no início, publiquei aqui sobre a iniciativa, amei a idéia. Agora com o resultado fico feliz em compartilhar com vocês o video. E a ação continua, pode mandar foto para o site e colocar na galeria.
Estou louco para Fafá chegar logo. Ganhar horas falando, reclamando e rindo. Conversar por email é uma bosta, porque sempre há o ponto final. O diacho do ponto que interrompe o pensamento, o fluxo. Nossos pensamentos não se esgotam no ponto e há ainda o complemento do pensamento da outra pessoa. Conversa escrita é difícil porque não dá para completar/complementar/interferir no pensamento do outro e to precisando tanto de interferências. Ontem precisei muito dos pensamentos dela, mas só nos encontramos em emails desencontrados em hora, em fuso horário confundindo tudo e atrasando conclusões.
Estou louco para minha mãe voltar de viagem. Ontem nos falamos por telefone, mas sempre a despedida, o toque de ocupado no final da ligação é como ponto final no email. Corta o fluxo, a emoção. A vontade de dizer tanta coisa, inclusive "fique mais porque estou vendo que você está feliz", escondendo o "volte logo porque você faz muita falta aqui em casa, aqui em minha vida".
Estou louco para ele voltar logo do trabalho. O beijo de bom dia é o ponto final da noite mal dormida em lençóis desarrumados. Queria prendê-lo no quarto, viver em reticências, mas os projetos e estudos também são pontos atrapalhando o beijo, o sexo. O cansaço é outro ponto.
Estou louco para terminar de escrever tantos projetos e dar um ponto final nesses dias para recomeçar novos parágrafos.
O ponto só é bom porque sabemos dos próximos parágrafos que teremos que escrever. Acabando um para deixar chegar o novo.
Há muito tempo não publico entrevista. Retornei de São Paulo e queria trazer alguém comigo, fui procurando, muitos amigos já estavam homenageados aqui, Fê ainda não. Felipe é daquela lindeza de pessoa que encanta em foto, que encanta na delicadeza de lidar, com o sorriso, o olhar. Que bom ter este brinde na vida. Tim Tim, pai!
Nessa entrevista que Felipe Vasconcellos traz um tema que me perturba muito também: os rótulos, as classificações e a falta de reconhecimento do próprio corpo, um corpo sem liberdade. Aí reverbera na intolerância àqueles que se reconhecem, se assumem, se compreendem. Vem os dedos em riste arrotando arrogância e brutalidade, definindo o outro pelo te falta.
Falo sobretudo da homofobia que esta semana esteve em todos as rodas por causa da doença de Myriam Rios e por todas as discussões levantadas pela Parada Gay de São Paulo. E é preciso refletirmos sobre isso. É urgente alguma providência. Tive acesso a um texto maravilhoso de Eduardo Guimarães falando sobre os níveis de homofobia. Acho prudente a leitura e indico através deste link: