Fernando, querido,
recebi tua carta em Abril e somente agora tenho algo (sem muita importância) a responder. Isso aqui, também, pode não ser uma resposta e você pode nem querer mais saber disso.
No inicio de tua missiva (adoro esta palavra), você diz "Sou dançarino e a algum tempo tenho parado para refletir sobre o que é dança e o que não é e gostaria de compartilhar algumas dúvidas e crises que tenho sobre a dança com um alguém." Confesso que nunca tive muita crise com este assunto, nem pensava se o que eu fazia poderia não ser dança. Agora, depois de mais de dez anos de fazer artístico me pego refletindo sobre o meu fazer dança.
O projeto responsável pela construção deste blog, O Corpo Perturbador, é o primeiro que ganhei verba para uma montagem de espetáculo. Será que esta montagem não já estreou tendo em vista todo o burburinho, todas as contribuições, toda participação virtual/real do público aqui neste espaço da rede? Será que não já estou fazendo dança por aqui mesmo?
Lendo a tua correspondência não sei se me acalmo ou se fico mais em dúvidas.
"Você querido desconhecido algum dia já parou pra refletir sobre a possibilidade de que ler esta carta pode ser dança? Ou sobre a possibilidade de qualquer ato que você fez, deixou de fazer ou fará poder ser dança e você ser um dançarino no mundo?"
Eu acredito piamente que tudo que faço na vida pode ser dança. Me coloco no mundo de maneira bastante política e utilizo meu corpo com este propósito. Quero lembrar que meu corpo é tudo que me representa e me significa: voz, pensamentos, braços, pernas, coluna, careca, ouvidos etc etc etc etc não apenas a casca de pele que me protege e o que fica aparente. Nisso concordo que estamos agindo/fazendo dança. Mas que dança é essa? É o que mesmo isso tudo que estamos discutindo?
Quem valida o trabalho como dança? E mais uma vez pergunto: que dança? A quem se destina?
Acabei de sair do Encontro de Dança Inclusiva. O que é isso? e lá alguns teimaram em categorizar essa dança que usa corpos com deficiência. Quase falo corpos semelhantes ao meu, mas logo percebi que seria mentira, pois a deficiência tem corpos muito diversos e nem sempre parecidos com o meu, podem até ser mais semelhantes ao teu, a outros lá da Escola de Dança, aos corpos da Dança Contemporânea contorcidos e estranhos.
Ando bastante apreensivo com O Corpo Perturbador, com a quantidade de referências e informações que estão me chegando, com a necessidade de começar a fechar a torneira, sem querer fechá-la, porque tudo é tão interessante e me parece tão impirtante. Os videos, as entrevistas, os contos, os pensamentos diversos, os sentimentos. O fazer escolha é o que mais me perturba (para ficar no contexto do blog), porque tenho certeza que deixarei coisas muito improtantes de fora. Essa escolha já é dança?
Está vendo, não respondi nada. Isso aqui, com certeza, não foi uma resposta,mas acordei pensando em você e na tua questão. Escrevi tentando falar comigo mesmo, refletindo sobre esse processo alucinado que é pensar/fazer esta dança. Você provocou a minha primeira confissão de perturbação. Coisa que procurei evitar esse tempo todo, porque acho que não preciso "palavrear" minhas perturbações, tudo que está aqui pertence a este universo interno inquieto e perturbado que sou eu. O que publiquei/escolhi dos outros pode não ser eu?
- Para os interessados, o blog do trabalho de Fernando é http://issopodenaoserdanca.blogspot.com/
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