quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Movimentocontrapartida

Terça-feira, 24 de Agosto de 2010


Queridos amigos,

Nesse último mês, recusei a pré-estreia de minha última criação, “Piranha”, no Fórum Internacional de Dança FID (Belo Horizonte) e Panorama Festival (Rio de Janeiro). Esses dois festivais fazem parte do Circuito Brasileiro de Festivais Internacionais de Dança (FID, Panorama Festival, Bienal do Ceará e Festival do Recife).

A ideia de recusar o convite foi devido ao cachê que ambos estavam oferecendo: R$ 2.500,00, por apresentação. Levantei a proposta de R$ 5.000,00, por apresentação. Aleguei que, se eu aceitasse as condições de trabalho oferecidas pelos festivais, elas iriam afetar, de forma depreciativa, as mesmas condições que não cabem no meu discurso enquanto artista. E acrescentei que não iria vender minha apresentação por um cachê que representa a insatisfação de muitos.

Como sou um dos contemplados com a bolsa Rumos Itaú Cultural Dança 2010, quem iria financiar a minha ida aos festivais seria o instituto. Nesse caso, eu poderia ter, ainda, um desconto de 26% sobre o valor indicado acima, ou caso eu conseguisse ser representado pelo Núcleo Corpo Rastreado (com o qual eu trabalho), o desconto na nota fiscal poderia chegar à 10%. Então, ou eu receberia um cachê em torno de R$ 1.850,00 ou, no mais possível, R$ 2.250,00 pela estreia/apresentação de meu trabalho. Quando questionei o porquê desse valor, foi me dada a resposta que ele foi determinado por uma "política de cachês do circuito", que essas seriam as "condições oferecidas pelos festivais" e que "5.000 reais por uma apresentação de solo no Brasil não existe".

Levado por uma vontade de problematizar esta situação, resolvi escrever para vocês uma outra história:

No início deste mês, em São Paulo, o Panorama SESI de Dança, com a curadoria de Christine Greiner e Gabi Gonçalves deu vida a uma proposta de pensamento de festivais um pouco diferenciada. Ao invés de levar em consideração as condições de funcionamento de um festival, ele optou por considerar as condições de trabalho e necessidades ideológicas dos artistas. O festival optou pela apresentação de repertórios e não somente por estreias (aumentando a durabilidade do pensamento artístico) e o cachê foi adequado e discutido em conjunto: O mínimo (para um solo) era R$ 5.000,00 (líquido). O festival contava com R$ 265.000,00 para sua produção.

Além das questões de utilização de materiais importantes como a discussão de curadoria em conjunto, Christine criou uma resenha para cada um dos trabalhos apresentados, através de entrevista com os artistas (repensando o lugar do ‘release’). As propostas de funcionamento do Panorama SESI de Dança se chocaram com esse local da institucionalização do pensamento artístico e se colocaram em um ambiente de observação: será que não seria esse o lugar possível de se executar uma experiência artística?

Dentro desses modelos existentes, vejo que cada qual opera do seu jeito, mas qual seria o modelo com o qual nós nos identificamos? E, se há alguma coisa para mudar nessa história, acredito que seja a nossa própria atitude. Pelo jeito, as coisas possíveis estão ao nosso alcance e precisamos entender que estamos ora nos vitimizando pela impotência e medo, ora nos deixando levar pela ideia de que algo possa mudar sem ação em conjunto.

Na realidade, o que gostaria com essa carta, é convidá-los a pensar em nossa política de cachês, em nossa forma de se fazer visível. Se existe uma possibilidade de transformação, ela não virá do que já se construiu enquanto potência, mas terá que ser objeto de um pensamento menos global e mais localizado, ou seja, feito por nós.

Prá isso, estou criando juntamente com Eduardo Bernardt e Maurício Leonard um site/blog http://www.movimentocontrapartida.com/ para aqueles que se sintam interessados por essa ação. Caso você queira participar, basta enviar uma mensagem para movimentocontrapartida@gmail.com que você se tornará colaborador do movimento. Desta forma, estaremos discutindo o que nos preocupa de forma que qualquer pessoa poderá ler e participar.

Relembrando que não é um desejo que nos debrucemos sobre o que já existe: os festivais e suas leis, mas que reavaliemos os sistemas de convívio que nós mesmo construímos. Se existe uma economia da dança, ela pode começar por aqui.

Com carinho,

Wagner Schwartz

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