quarta-feira, 25 de maio de 2011

Manutenção do coitadinho

Houve uma situação curiosa nessa temporada d'O Corpo Perturbador no Palacete das Artes Rodin Bahia, ocorrida no último final de semana. Recebi com susto um comentário sobre a postura da equipe do projeto em relação a Meia Lua no final da apresentação de sábado.

Já havíamos combinado, desde quando nos apresentamos no ICBA, que não poderíamos ficar no cenário após os aplausos. Agradeceríamos e sairíamos direto para o camarim. No Palacete das Artes este lugar era distante do espaço cênico e eu, como todos sabem, utilizo cadeira de rodas para me locomover, Meia Lua não. Ele prefere andar apoiado nas mãos calçadas por sandálias havaianas. Confesso que foi exatamente isso que me fez colocá-lo em cena, porque percebi que aquilo perturbaria muito as pessoas, embora seja muito belo seu jeito de andar e ele é muito bem resolvido com isso, inclusive seria muito mais complicado se ele andasse de cadeira porque, para chegar ou sair de casa, precisa passar por uma escadaria de mais de 50 degraus. Como faria com a cadeira?

Algumas pessoas comentaram com ar de crítica sobre o porque eu sair de cadeira de rodas como Cleópatra, protagonista (um equívoco pq não há protagonistas neste espetáculo), dono do projeto e ele, pobre, preto ficou ali esquecido, largado (ohhh coitadinho!!!). Eu não poderia machucar meu corpo para satisfazer uma necessidade que era do outro, não é? Não fiz e nunca farei.

Só posso pensar numa coisa com os argumentos ouvidos: como neste espetáculo não deixamos brechas para que o público se compadeça com nosso suposto sofrimento e real indefesa (dentro do senso comum), muito pelo contrário, mostramos toda agressividade, força e vigor, foi naquele momento onde Meia Lua escolheu para descansar ou para receber os cumprimentos ou simplesmente ficar ali para nada, exatamente nesse ponto o povo pôde extravasar seu preconceito e sua necessidade de compaixão pela pessoa frágil que eles teimam em pensar que somos.

Era ali, somente ali, onde eles puderam revelar que não são capazes de nos ver como havíamos acabado de nos mostrar. É uma imagem tão fincada no inconsciente que não são capazes de abandonar esse paradigma do coitadinho, nem quando dizemos que somos feras, sexuados, delicados, deliciosos... que somos inteiros.

Um comentário:

  1. É meu amigo, desfazer e transformar pensamentos e visões equivocadas leva muito tempo...Como vc bem disse, já estão intronizados no inconsciente, subconsciente, não importa onde...O que realmente importa é como te disse no texto do Frei Bett...o, nós como artistas e educadores temos que fazer este papel de iluminar as mentes humanas para as verdades reais da vida. E dái temos que ter muita paciência e resignação, pois cada um tem seu processo evolutivo, principalmente quando se tange a questão da compreensão.
    Não quero julgar ninguém Du, passei o dia todo pensando nesta situação que vc vivenciou. Imagino a frustração, mas lendo melhor o seu texto e analisando melhor a situação, penso que foi mais um julgamento preconceituoso e maldoso que uma crítica propriamente dita. Por isso meu amigo, não se importe com os julgamentos de quem nada sabe ou não está aberto para saber. Estou muito preocupado com o nível de ignorância e com o comportamento equívocado das pessoas. Estou tentando visualizar uma forma de trabalhar este assunto dentro do processo da educação pela cultura da paz...

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