domingo, 29 de maio de 2011

Mataram meu curió

Sempre que acontecia algum problema em casa ele saía sem rumo, arrastando os dedos fechados pelas paredes, assoviando uma música inventada na hora. Fugia de desespero. Fugia de tristeza. Naquele dia não conseguiu reagir ao ler bilhetinho azul na mesa, embaixo da fruteira de bananas passadas e sem maçãs. Imaginou a solidão a partir dali. Cama de casal sem função e o quarto do filho único cheio de pucumã, poeira embaixo do tapete, brinquedos quebrados largados sem preocupação.

Sentou-se no chão e nunca mais assoviou. Levou muito tempo naquela posição. Quando viu estava vomitando vodka no sapato, engasgado com o nada que saía de dentro. Começou então a beber, diariamente, para dormir e quando acordava bebia para passar o tempo. Emagreceu. Cresceu barba. Cabelos brancos. Nunca um telefonema de "tudo bem?". Nunca uma notícia de boletim do garoto. Como sequestro, desastre, morte....

Quando criança não entendia quando a mãe ria falando do pai bêbado no sofá: "Mataram meu curió". Quem repetiria isso agora?

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