quinta-feira, 29 de julho de 2010

Casa de Massagem - Herculano Neto (MICROCONTO DEVOTEE)

Como anunciado há uma semana, vamos realizar neste mês de Agosto um concurso de MICROCONTOS DEVOTEES. Na verdade, se trata de uma brincadeira onde pretendo estimular a todos pensarem em situações em que o tema esteja inserido. Não haverá julgamento, nem o melhor, nem o pior. Para mim é importante pois as situações criadas por vocês podem me estimular na coreografia, a pensar em cenas, ao mesmo tempo em que fortalece a participações dos visitantes no blog.

Eu admiro muito os textos de Herculano Neto, meu conterrâneo, e pedi que ele participasse da brincadeira, então recebi um email dizendo:

Edu,

Segue duas visões do mesmo microconto,
baseado nas observações que faço do centro da cidade
(onde moro).
Abs,

Hneto

Microconto Devotee

CASA DE MASSAGEM

Herculano Neto

Sou atendente de uma casa de massagem no Centro de Salvador há seis meses. Minha família acredita que trabalho como doméstica numa casa de família, mas na verdade ofereço serviços sexuais rápidos e baratos. Tudo é muito simples: os clientes tocam a campainha, encontram dez garotas trajando lingerie, escolhem a que desejam, depois pagam e vão embora, como se tivessem acabado de sair de uma lanchonete.

Hoje, observando pelo olho mágico, tive a impressão de que havia um homem com um bebê. Quando abri a porta, descobri que ele carregava o irmão de dezenove anos, que não possuía nem braços ou pernas. O homem disse que era aniversário do irmão e queriam comemorar. As meninas, assustadas, baixaram a cabeça com receio de serem contempladas; eu não – talvez por isso ele tenha me escolhido.

Dentro do quarto, tentei puxar conversa, descontrair o ambiente, mas ele não dizia nada. Então, tirei sua roupa cuidadosamente, segurei seu torso como se fosse uma boneca (ele era mais pesado do que aparentava) e o coloquei numa posição que eu imaginava ser a mais apropriada para o ato. Foi a primeira vez que gozei no trabalho.


CASA DE MASSAGEM II

Herculano Neto

Cheguei ao mundo sem os braços e as pernas. Se existe vidas passadas, e lei de causa e efeito, como dizia minha vó, fico imaginando que merda fiz em outra encarnação.

Todos os dias, meu irmão me deixa na Estação da Lapa pela manhã e me apanha depois do meio-dia. As pessoas que passam por mim, numa mórbida curiosidade, costumam deixar algum trocado, mas nunca peço nada. Muitas têm medo de mim, desviam o caminho, olham com asco, aceleram o passo: e isso me chateia. Sou um cara conformado, sem grandes aspirações na vida, apenas gostaria que me enxergassem naturalmente.

Hoje é meu aniversário. Meu irmão prometeu que comemoraríamos com estilo. Ele disse que seria uma surpresa, mas me levou a uma casa de massagem — já desconfiava. Quando entramos, as garotas me olharam do mesmo jeito de sempre, escolhi a que parecia ter menos medo de mim. Dentro do quarto ela me tratou com muito cuidado, como se eu pudesse quebrar a qualquer momento, o que me deixou ainda mais chateado. Ela me colocou numa posição que não tinha como dar errado, então a fodi com fúria, com toda a força do meu coração, lembrando de cada olhar de desprezo das ruas, enquanto um sorriso de contentamento ganhava sua face.


Herculano Neto nasceu em Santo Amaro da Purificação (BA). É poeta, ficcionista e letrista de música popular. Participa das antologias Os Outros Poemas de Que Falei (Prêmio Banco Capital de Literatura, 2004) e Sob Prescrição (Laetitia Editore, 2006). Em 2007 recontou o clássico disco Transa, de Caetano Veloso, pelo site paulista MOJOBOOKS e publicou alguns poemas nacionalmente na Revista Cult. Teve a canção FAZ DE CONTA, tema da novela Como Uma Onda, da Rede Globo, gravada por Raimundo Fagner em 2004. É um dos vencedores do Prêmio Braskem de Cultura e Arte, 2008, com o livro de poemas, CINEMA, publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado. Edita o blog POR QUE VOCÊ FAZ POEMA??? http://herculanoneto.blogspot.com

Esta biografia eu encontrei no http://www.revista.agulha.nom.br/herculanoneto.html

Só reforçando o entendimento sobre os devotees : "Homens e mulheres de todas as tendências sexuais, de todas as idades, niveis intelectuais, socio econômicos, ou condições físicas, que tem atração por deficientes físicos, sendo muitas vezes essa atração de cunho sexual" Kronos

11 comentários:

  1. Gostei muito dos dois pontos de vista do conto. Parabéns pelo novo blog.

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  2. Legal!
    Os dois lados trataram da mesma história de forma interessante!

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  3. Os dois envolvidos e seus dois posicionamentos. Mas ambos perceberam o prazer nessa relação. Esse textículo lembrou-me um livro do Italo Calvino, O Dia de Um Escrutinador...

    Abraço.

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  4. Bah, mas esse Herculano escreve muito bem!!!!

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  5. bons contos, prezado vou mandar para vc um conto meu , tá bom?

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  6. Mudam-se de personagens entre
    o primeiro e segundo microcontos.

    Cada qual com sua verdade.
    O seu olhar. Enquanto o primeiro
    revela uma vida monótona, o segundo também
    (exceto porque no segundo: o personagem tem
    ira e ódio e vontade de foder o mundo)

    Ambas as versões,
    excelentes.

    Forte abraço.

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  7. Muito bom mesmo.
    Isso foi inspirado numa pessoa real?
    Sempre que passo na lapa reparo que existem varios tipos de pessoas, mas não me lembro de alguem sem os brações e as pernas

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  8. Prezado segue o conto
    ...........................................
    Aquário
    Aqui dentro: tesão, verrugas cristalizadas por uma mágoa eco do que há lá fora. Todos são assim (aquários ou seres da terra, somos assim): há as flores e as verrugas, há também ácidas lágrimas quando vejo paixões que até ontem era fogo caírem como folhas secas no vazio das praças em domingos sem carnaval.
    Você me olha e não nota o quanto existo, não me trate como criança, daqui de dentro posso te matar, mas antes sugo gota a gota toda tua sedução, para que não machuques mais ninguém.
    Quem disse que vivo no não corpo? Vivo dentro do que sou e o que sou só os delicados anjos do calçadão é quem podem sentir, sentir é melhor que ver. Os anjos do calçadão não vivem em um aquário, vivem em uma vitrine, somos iguais em invisibilidade, mas cheios de prazeres nem sempre silenciosos.
    Borbulho por amores, qualquer amor, na minha cama sou homem e mulher, a febre das palacianas e a alegria dos mendigos, borbulho em febre, meu aquário é meu corpo e se você pensa que sou frágil posso te afogar no cuspe da minha indiferença.
    Ediney Santana escreve regularmente no blog http://cartasmentirosas.blogspot.com
    Nasceu na cidade de Mundo Novo-Ba e vive em Santo Amaro-Ba desde sua infância.

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  9. Edu,
    Herculano joga com las letras (e é craque) nas onze. Ainda não conhecia seu lado maxicontista.

    Abraço mineiro,
    Pedro Ramúcio.

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  10. Os dois lados da ''moeda'' me agradou muito.


    Beijos

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  11. Herculano, li e adorei! Perfeitos. Parabéns.

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