Há uns dias assisti ao programa de entrevistas Provocações, apresentado por Antônio Abujamra. Ele perguntava auma entrevistada o que tinha feito de mais transgressor na vida. Esta pergunta me chamou logo atenção e não lembro da resposta da convidada porque fiquei refletindo sobre as minhas transgressões. Eu achava que tinha feito muitas, comecei a lembrar de coisas, aprontes, pensamentos, mas logo percebi que nada era tão transgressor assim que pudesse responder ao entrevistador. A não ser o fato de ter escolhido a vida. Então achei a resposta para a questão: VIVER é o meu ato mais transgressor. Afirmo isso com todas as letras porque vivo num mundo que me diz o contrário, me estimula à não-vida, ao não-mundo. Sem acessibilidade e sem acesso às coisas como viver? É como se dissessem: oh meu filho, agradeça porque você respira, se contente com isso, fique em casa tomando remédio, assistindo à sua tv e nos deixe em paz, quietos. Você aqui nos atrapalha. Digo o mundo porque em nenhum lugar que já visitei é possível eu exercer a liberdade de forma plena. Paris, Lisboa, Buenos Aires, São Paulo... em nenhuma cidade dessa (nem conta as pequenas) há uma consciência sobre acessibilidade. Umas com mais outras com menos, mas nenhuma completamente acessível. Eu teimoso e sem querer pensar na possibilidade de me excluir, insisto em me colocar na vida de forma plena, como uma postura política, como uma postura de luta, de briga, como escolha de vida.
Todo mundo quando vai sair para encontrar amigos ou paqueras, assistir a um espetáculo, beber um pouco com a turma, fazer uma noitada, se preocupa com o que vai usar, quer se fazer bonito para se sentir bem. Eu, além da roupa, tenho que pensar no arsenal que levarei à rua porque é certeza ter que lutar, o mínimo que seja, para que a noite seja proveitosa, para curtir o que me é direito.
Ontem esqueci e sai desarmado. Fui à Mouraria com uma amiga querida, companheira de tantas coisas, de perrengues até em Paris. Sentamos numa mesa na rua e conversamos animadamente, torcemos pelo futebol, falamos besteiras e tomamos cerveja. Como é sabido, cerveja é uma bebida diurética, poucos copos depois veio a vontade de ir ao banheiro. Nenhum bar do lugar (que pertence a mesma dona) tinha banheiro adaptado, para mim nem precisava seguir as regras (exigências de lei), mas que tivesse uma porta larga que a cadeira de rodas pudesse entrar. Eu já não aguentava mais de vontade e me dirigi a uma árvora para poder fazer minha necessidade. O bar fica atrás do Quartel da Mouraria. Quando acabei o "serviço" um militar colocou o rosto na janela da guarita e me repreendeu, dizendo que eu não podia ter feito aquilo. Expliquei a ele que em tese eu não deveria fazer, que sei que existe uma lei que combate este ato, mas que também existe uma lei que exige que todos os estabelicimentos tenham acessibilidade para pessoas com deficiência. Diante disse o que ele me indicaria a fazer? Ele despreparado completamente, me disse que não sabia onde eu podria ir, mas que eu não iria repetir aquilo. Minha amiga chegou e questionou a ele, criticando sua atitude. Ele então, bastante agressivo nos gritou:
- Olhe DESGRAÇA, eu disse que ele não vai mais fazer isso!
Saimos rápido porque sabíamos que uma pessoa dessa não é capaz de dialogar ou entender as situações, saber que existem coisas onde as regras têm que ser maleáveis, repensadas. Voltamos ao bar indignados e aproveitando que havia uma turma de advogados numa mesa ao lado explicamos o ocorrido e perguntamos o que deveríamos fazer. Primeiro era chamar a pessoa responsável do bar para que tomasse alguma providência, uma vez que o constragimento e a agressão sofrida foi decorrente de uma falta do estabelicimento e que portanto deveria zelar pelos clientes e, no mínimo, fazer um comunicado ao Quartel. Enquanto conversávamos com os advogados, o militar da guarita chama três colegas que ficam na esquina, algusn instantes, com arma em punho. Lembro bastante de uma figura feminina entre eles. Depois se afastaram.
Chamamos o garçon que chamou a dona do bar. Esta teceu uma série de comentários desastrosos e preconceituosos, incluive perguntando porque voltei ao seu estabelicmento se eu já sabia que não tinha banheiro acessível. Ela já tinha colocado uma rampa na entrada do bar, que eu entrasse no banheiro feminino (que não dá passagem para a cadeira), que ela não poderia ser punida porque não foi ela quem me agrediu, que se eu queria processar porque acho que tenho direitos por ser deficiente, que... que.. que...
O advogado que estava conversando conosco se aproximou para explicá-la sobre a sua responsabilidade, tentando ver uma maneira de apaziguar a situação, mas ela demonstrava total ignorância e não reconhecia o problema provocado por ela, disse que vai abrir um banheiro e que esta era a única coisa que poderia fazer. que não entraria em contato com o Quartel......
Enfim.... a noite acabou voltando para casa com a auto-estima destruida, com minha amiga arrasada, com todas as questões de desamparo, desalento, medo, ameaça, violência em nossos corpos, nossos peitos. O pior que não há um orgão que nos defenda. Porque lembro do problema que tive com o PROCOM e procurei o Ministério Público que me disse não entrar em briga com o Governo. Não tive um advogado que entrasse comigo na causa... e assim se repete todos os dias, todas as vezes. A Associação Baiana de Deficientes não tem uma assessoria jurídica que compre essas brigas. Então ficamos a mercê de uma briga isolada, individual e passando por chato, brigão, intolerante. O errado sou eu que decido sair e me defrontar com esse mundo perfeito, feliz e generoso.
Para completar, hoje precisei pegar um táxi, liguei para uma empresa e depois de muitos minutos me ligaram dizendo que não havia carro para pegar cadeira de rodas. Lembro que minha cadeira cabe até num fusca, porque desarma toda, tira roda, rodinha, pés.... Ou seja, assim como a dona do bar, uma empresa que deveria zelar pelos clientes, é conivente com os péssimos profissionais que se recusam a prestar o serviço a que se destinam. Um serviço, incluive, que são isentos de determinadas taxas, portanto menos impostos para nós, e prestam deserviço total. Não é a primeira vez que acontece isso e nem é a primeira ou única empresa que faz isso. Já dei queixa na Gtáxi umas três vezes e quando retorno a ligação, eles nem sabem do que estou falando, nem protocolam a queixa. Ficamos sem os direitos garantidos mais uma vez.
E eu tenho taxistas que me pegam, profissioanais ótimos que naquele momento estavam ocupados. Também não acho que eu tenha obrigação de ter uma lista telefônica de serviço particular porque as Elites Chame Ligue Táxi da vida, têm OBRIGAÇÂO de nos atender também.
Cansei.....
Edu, um dia ainda viveremos num mundo justo onde todos tenham a sensibilidade de tentar se colocar no lugar do outro. Não sei quando, não sei como. Mas não quero viver pensando que esse dia não chegará. Sua indignação é legítima, pontual e deve fazer com que todos nos sintamos igualmente ultrajados e feridos em nossos direitos, em nossa dignidade e, principalmente, em nossa humanidade.
ResponderExcluirPode parecer um grito no escuro, mas tenha certeza de que vc não está só. Eu grito junto com vc.
Um bj no seu coração